quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

O Querer-Dizer de Jorge Amado no viés popular

Jorge, mais do que amado, se insurge como "o ícone da literatura baiana"  que ultrapassa os limites dos interstícios discursivos. Considerado um escritor atemporal, suas obras atravessam o tempo e rompem barreiras geográficas, assim como seu personagens são transformados em parte indissociável da vida brasileira.  Amante de expressões populares, o discurso de Jorge Amado torna-se inconfundível em suas obras literárias.  Em seus propósitos de incorporação da linguagem popular, não dispensa as frases feitas,os provérbios, as gírias e os palavrões. O coloquialismo em Jorge Amado é uma marca da opção militante do escritor. Se a literatura para ele era vida, o seu querer-dizer também significava vida.  Nesse processo de elaboração, Jorge Amado, para lembrar uma reflexão glissantina, "traça um risoma com o mundo, irrigando a escrita  na delicada busca de deciframento do real, tanto em campo estético, quanto nos campos  histórico, político e ideológico".
Neste sentido, a dinamicidade da criação linguajeira de Amado, situada no universo da cultura, se dimensiona como um grande diálogo , cuja teia discursiva se desenvolve sob a base da materialidade linguística de discursos já-ditos.  Assim, volvemos o nosso olhar para recortes de retomadas de enunciados populares de curta extensão, introjetados como redes de significação na obra "A morte e a morte de Quincas Berro D'Água".
Os enunciados de curta extensão  são expressões populares que se inscrevem no tecido literário, enquadradas como provérbios, aforismos, máximas  e outras, dado o número reduzido de léxicos que mobilizam a sua organização. Na perspectiva discursiva, possuem características próprias e são reconhecidas como um "já-dito", facilmente identificáveis.
Coletamos algumas expressões de nosso domínio cotidiano, tais como: "amarrados como boi na canga, osso duro de roer, vendo com o rabo do olho,prendê-lo em sete palmos de terras, chegou a sua hora derradeira, bateu as botas", entre tantas outras.
Estes enunciados constituem um gênero textual distinto, por fazerem parte do "Thesaurus" Cultural de um determinado grupo social.  A linguagem popular assume, então, no texto literário,  um "entre-lugar" e faz com que Amado situe-se neste "lugar aparentemente vazio", cumprindo um ritual que instaura o interdiscurso  no campo literário, onde teríamos todos os dizeres "já-ditos", em uma estratificação de enunciados que representam o dizível.
Jorge Amado ancorou o seu querer-dizer, exercendo a potencialidade discursiva  de todas as camadas sociais, em uso plural e dialógico. O querer-dizer de Amado, marcado por um discurso de fácil reconhecimento, é  vivificado pelo pragmatismo de seu uso no horizonte social, o que faz jus ao reconhecimento de suas obras estarem incluídas numa rede social que o destaca no cenário cultural e enunciativo do Brasil e do exterior.

PS- Este texto é resumo  de um artigo apresentado no Colóquio Nacional : Jorge Internacionalmente Amado, promovido pela ABRAEC e PRPGL, em nov/2012.



domingo, 2 de dezembro de 2012

Acerca  dos Cursos de Letras

"Curso de Letras? Pra quê?" Este é o título  que Marcos Bagno usa para encetar uma "conversa" sobre a "situação catastrófica" em que se encontram os Cursos de Letras, seja em  Universidades Públicas ou privadas. Segundo ele, é "doloroso" para os apaixonados pelos estudos da linguagem, admitir esta realidade! Para início da conversa, ele diz que o próprio nome "Letras"  é obsoleto e denota ideias elitistas, anacrônicas, além de ideais aristocráticos e sexistas, que não se coadunam com os dias de hoje, tendo em vista o apego a paradigmas vigentes no Século XIX que assim  funcionava: "Literatura oral? Nem pensar! Literatura alternativa, marginal, transgressora? Deus nos livre! Literatura de autor vivo?  De jeito nenhum!  Literatura escrita por mulher? Jamais!" Desta forma, ele vai elencando os modelos desta época, incluindo os "fantasmas" que diziam respeito às línguas... "O estudo das  línguas mortas, dissecado em frases soltas" assemelhavam-se "com a autópsia de um cadáver" que para ele, "não  é mera coincidência!"
Com o advento da Linguística, no início do Século XX, imaginou-se uma grande revolução, que poderia abalar essa "arquitetura aristocrática".  No entanto, lamenta o autor, no Brasil, esses estudos foram incorporados de forma desordenada. Resultava, apenas, no acréscimo de disciplinas!  Por esta razão, o nome "Letras" continua intacto, havendo uma exceção para o Instituto de Estudos da   Linguagem  (IEL) da UNICAMP.
Chama a atenção, ainda, o autor para os "puxadinhos" que são promovidos para adequar as novas concepções do século, transformando-se os Cursos em "verdadeiros Frankensteins acadêmicos". O resultado são turmas e mais turmas formando-se em Letras, com limitações  em conhecimentos necessários, como  "gramaticalização, pragmática, discurso,  letramento, gênero textual,enunciação, sociocognitivismo,  sociointeracionismo, sociologia  da linguagem, políticas linguísticas,crioulização,diglossia, teorias da leitura, relações fala/escrita,  áreas de pesquisa  e de ação fundamentais para que se tenha uma visão coerente do que é uma língua  e do que significa ensinar língua". Tantos outros problemas são citados pelo autor, que têm a ver com a própria estrutura dos Cursos , e outros "mais amplos e mais trágicos", como os dados do INAF  (Indicador Nacional de Alfabetismo Nacional), divulgando que 75% dos brasileiros entre  15 e 64 anos são analfabetos funcionais. Estes dados foram publicados em 2005 e para nossa tristeza, na edição de 2012, os dados permanecem inalterados, apresentado o mesmo percentual  (75%). Este quadro absolutamente precário de alfabetismo  é muito preocupante!  O autor nos incita a refletir sobre as questões do desprestígio da carreira docente! Direciona ara a preocupação sobre o desestímulo pela procura do magistério!  Chama também para o foco do círculo vicioso da má formação de profissionais que saem "despreparados" para enfrentar a sala de aula. Diz ele, que a redução de pessoas bem formadas é cada vez menor para esta profissão!   Segundo o autor, os Cursos de formação de professores são procurados cada vez mais por pessoas "originárias de grupos sociais em que as práticas letradas são restritas. E assim, forma-se a chamada bola de neve...  "Vamos nos iludindo e iludindo os estudantes".    Mas, o problema não está em recebermos pessoas  de camadas mais desfavorecidas, alerta Bagno.  Isto deve ser comemorado! O problema é não darmos a estas pessoas as condições favoráveis para superarem suas limitações.
O autor conclui  a conversa, relatando resultado de uma pesquisa sobre a escrita de professores de Língua Portuguesa do Distrito Federal. Pasmem! Coletou centenas de textos escritos  e o resultado constata "mais de 80% de textos incompreensíveis, sem os requisitos mínimos de coesão e coerência, repletos de erros ortográficos , de pontuação, de concordância ..." Se os docentes escrevem assim, o que aprenderão os nossos alunos?
É preciso, pois, que se invista em política de valorização do magistério! Necessário que saiamos do "pacto da mediocridade" em que o professor faz de conta que ensina e o aluno faz de conta que aprende. Urge uma mudança no setor educacional! Formemos uma ciranda para que todos se deem as mãos, no compromisso de cada um cumprir o seu papel social, acendendo a luz que poderá tirar o Brasil dessa escuridão!