domingo, 21 de agosto de 2011

Os provérbios nas tramas da linguagem

Refletir sobre os provérbios nas tramas da linguagem nos faz pensar sobre as formações da vida no cotidiano e nas interações verbais que se instauram entre interlocutores. Mergulhar nesses enunciados, cujos fios se sobrepõem e se enredam, como a fluir enunciativamente ou a se desalinhar no processo de nosso conhecimento, faz com que nos aproximemos dos vários sentidos que essas produções evocam. Poderíamos dizer que "Água mole em pedra dura tanto bate até que fura?" O que sabemos é que essas variadas construções do inconsciente coletivo, presentes nas interações cotidianas nos aguçam para a observação e reflexões que estabelecem novos diálogos.
Dessa forma, esta linguagem cotidiana, usada nos diferentes contextos e gêneros textuais, vai tecendo as inúmeras tramas que possibilitam o diálogo na abertura de fios que se entrelaçam na configuração dos discursos. É nessa perspectiva que os provérbios se constituem, fazendo parte de uma pluralidade cultural, que não pode ser hierarquicamente ordenada ou privilegiada, mas respeitada pela sua inviolável diversidade de modo de ser, de se manifestar culturalmente.
Os provérbios, considerados como um discurso "sui-gêneris", podem ser vinculados às tramas da linguagem como uma produção plural e dialógica, pois o outro impõe sua alteridade irredutível sobre o eu que se constitui e tem que abrir caminhos em um espaço que já pertence a outros.
Assim, os provérbios que andam de boca em boca, ou seja, "de porta em porta, como a medalha milagrosa", pois "da moita que não se espera é que sai coelho", são comprovadamente, enunciados plurais e dialógicos, como retrato vivo da sabedoria popular, em cujas tramas apresentam "panos para as mangas", que podem ser costurados com suas próprias linhas. Como dizem os mais velhos que "a voz do povo é a voz de Deus", podemos considerar, pelo viés teórico bahkthiniano, que os provérbios funcionam como célula geradora do discurso dialógico.
É nesse sentido que circunscrevemos os provérbios, reconhecendo sua importância no cenário cultural e enunciativo, pois eles estão presentes em todos os contextos de enunciação, quer seja em conversas informais, em textos publicitários, jornalísticos, políticos, novelas, poemas, romances, contos etc, "cada um puxando brasa pra sua sardinha".
Existem provérbios para todos os gostos e ocasião. Em "pedra que rola não cria limo", o provérbio não tem marca pessoal; já em "mulher é como estrada, sendo boa é perigosa" ou "sogra não é parente, é castigo" existe marca designando pessoas. Há, ainda, os que apresentam marcas indefinidas, como "quem tudo quer, tudo perde" ou "cada macaco no seu galho". Outros se prestam a aconselhamentos, como dizia meu avô paterno: "Os de casa assam, mas não comem; os de fora comem cru". Alguns aparecem, ainda, como substitutivos de pessoas: "Cabaça que leva leite nunca mais tira a catinga", e assim por diante. Não nos alongamos neste texto, pois "cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém"...
Vale registrar, também, que nas tramas da linguagem, constatamos os contra-provérbios ou provérbios alterados, se configurando como um interdiscurso, desdobrado em torno de outros campos discursivos, chegando a ser plolêmicos ou humorísticos. Por exemplo: "Quando um não quer, o outro insiste; "quem dá a pobre paga a conta do motel"; "quem dá, engravida"; "gato escaldao, morre; "quem cedo madruga, fica com sono".
Como vimos,os provérbios são construções heterogêneas, interdiscursivamente intercalados em outros gêneros, resultado de uma autoria anônima e fortemente ligados à tradição popular. Afirmamos, portanto, que é difícil não se reconhecer um provérbio, pois, "não se compram gatos por lebres" e "de boca em boca é que se vai à Roma".
Enfim, "o pior cego é aquele que não quer ver".