Dentre os livros que Irandé Antunes publicou, ressalto este: "Muito além da gramática: Por um ensino de línguas sem pedras no caminho", (Ed. Parábola, 2007). A partir do título e do sub-título, que faz alusão ao conhecido poema de Drummond, "No meio do Caminho", o livro é um convite à leitura para todos que militam ou se interessam pelos estudos e usos da linguagem e que devem ficar longe dos "achismos" e "suposições infundadas" a respeito do ensino da língua.
A autora , com seu estilo leve e verbalização fácil, suscita um debate sobre o ensino da Língua Portuguesa, incitando-nos a refletir sobre as "pressões sociais" do uso da linguagem, no cotidiano das pessoas. Chamando a atenção para os inúmeros cenários, as diversas vozes e múltiplas intenções que estão em jogo no uso da linguagem, a pesquisadora mostra que tudo isso é mais que um ato lingüístico. É um ato humano, social, político, histórico e ideológico. É neste sentido que Bakhtin (1975, p. 98) afirma ser a linguagem "de natureza essencialmente social e em cada momento histórico é grandemente discursiva", porque nela se entrecruzam os diversos falares.
A preocupação da autora recai sobre a relevância para o uso da linguagem em relação à eficácia discursiva do que o "simples estudo da gramática e suas nomenclaturas". Em seu dizer, "é preciso reprogramar a mente dos professores" para entenderem que a língua é parte de nós mesmos , de nossa identidade cultural...
Nos capítulos que compõem o livro, vários equívocos a respeito do ensino da língua são desfeitos, mostrando que o uso da linguagem como atividade interativa, organizada para a interação social é constituído de vários aspectos que se integram e se interdependem. Isto implica em conhecimentos extra-lingüísticos , ou seja, conhecimentos prévios que partilhados com nossos interlocutores mobilizam outros saberes que completam o nosso dizer.
Estas reflexões nos levam a repensar sobre um "outdoor" exposto na cidade, após o pleito eleitoral, que transcreve versos de conhecida música popular: "Um dia a areia branca/ Seus pés irão tocar/ E vai molhar seus cabelos/ A água azul do mar..." A intencionalidade discursiva do produtor dessa mensagem instiga o leitor a mergulhar nas malhas invisíveis do discurso em busca de sentidos outros que estão irremediavelmente vinculados a um contexto político e social, "revelando a natureza dialógica da linguagem, pois toda compreensão é prenhe de respostas" e aquele "que recebe e compreende a significação de um discurso adota simultaneamente, para com este uma atitude responsiva ativa", (BAKHTIN, op. cit). Quem participa do contexto histórico/social/político da cidade sabe ler nas entrelinhas o significado do texto e a intenção posta na intertextualidade usada no gênero exposto.
Interpretar, pois, um enunciado discursivo é partilhar conhecimentos provando que a interação verbal mobiliza muito mais do que o conhecimento lingüístico. Mobiliza conhecimentos de mundo. Nesta perspectiva, afirma Irandé, que "pensar, portanto, que a gente faz e interpreta textos usando apenas os conhecimentos lingüísticos (que já são mais do que aqueles puramente gramaticais) é falsear a autêntica atividade da interação verbal". Dessa forma, constatamos que somente os leitores engajados no contexto histórico/sócio/político podem fazer a interpretação daquilo que está implícito, apenas pressuposto ou subentendido. O sujeito que enuncia esconde-se por trás do sentido literal para que o leitor depreenda os múltiplos sentidos dos enunciados que são propiciados pelo jogo da linguagem que favorece inferir algo mais do que está escrito. Assim, os textos/enunciados que produzimos são perpassados por outros enunciados que os precederam, formando uma cadeia discursiva produzida num tempo social e histórico.
É nesse sentido que Irandé propõe um ensino de língua que se desvencilhe do "fio estreito da gramaticalidade" retirando as pedras do caminho que teimosamente alguns professores tentam manter em suas aulas, atribuindo à gramática "uma função muito além daquela que realmente lhe cabe". Ensinar a norma prestigiada aos nossos alunos é necessário. Formar usuários da língua proficientes, sim! Mas, prioritariamente, que esse ensino seja na perspectiva do discurso, com visão integralizadora, sem desvincular a dimensão interacional, dialógica e textual da língua. Só assim, finaliza a autora," língua e gramática podem ser a solução se aprendemos a apreciar a recriação da linguagem, (...) se não deixamos que a gramática assuma o comando absoluto de tudo e saia do seu lugar de adjuvante; de companheira, apenas, cuja presença é necessária, mas não suficiente".
quarta-feira, 12 de novembro de 2008
Um convite à leitura
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Das entrelinhas que li...
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