Os cursos de capacitação dos alfabetizadores do Programa de Alfabetização Solidária têm se constituído em oportunidade ímpar para ampla reflexão sobre o processo de ensino-aprendizagem. A avaliação compreendida como parte integrante e intrínseca desse processo se insere nesse contexto como ponto fulcral de nossas preocupações, especificamente, no que diz respeito aos aspectos de aquisição da linguagem escrita.
Constatamos que a "tarefa" de escrever na escola, com o objetivo de passar pelo crivo do professor, provoca no aluno o temor de ter que ser avaliado e as avaliações não têm se revelado como instrumento de ajuda na promoção do crescimento desse usuário da língua. Registramos vários depoimentos de alfabetizadores, após discussão sobre avaliação, e não nos surpreendeu verificar que as experiências relatadas por esses professores traziam às suas lembranças marcas de avaliações feitas, mais em termos de sentenças do que de conteúdos, em que o professor coloca-se não como um parceiro ajudando a construir o conhecimento, porém como um juiz implacável que dita comportamentos lingüísticos, sem considerar a intenção do aluno. Este é visto como um aprendiz que está passando pelo "sistema de apropriação" de saberes para ingressar numa sociedade de discurso (PAIVA, 1997). O professor é aquele que ensina porque sabe, mostrando que o repertório conceptual lhe pertence.
Relato 01- " (...) Ele era um professor que traumatizava os alunos, dizendo que só ele sabia e que tinha prazer em reprovar." (Alfabetizadora- Capacitação janeiro/2000).
Essas práticas demonstram o desconhecimento de que o aprendizado se constrói e se dá no confronto de saberes diferenciados em relação dialógica. O "erro" é visto como uma falta irrecuperável, culminando com o juridismo relativo às normas e coerções centradas na pasteurização da superfície lingüística.
Relato 02- (...) meus cadernos eram marcados com traços, interrogações, e muitas vezes, com um X grande na página inteira, sem nenhuma explicação. Até hoje, tenho complexo de escrever."
( Alfabetizadora- Capacitação janeiro/2000).
Vemos que a prática tradicional de marcações de irregularidades do texto, de forma unilateral, com o professor apontando e corrigindo os "erros", continua superando a concepção enunciativa/constitutiva da linguagem. Nesse sentido, o " erro" não é visto como tateio cognitivo que o indivíduo percorre na busca de relações entre o que ele já domina e o que está aprendendo. O "enfoque higienizador" da linguagem desencadeia um processo de "apagamento das cenas enunciativas" (JESUS, 1995), sem que seja levada em consideração a existência dos diferentes usos da linguagem, em diferentes instâncias e por grupos sociais diferenciados.
É preciso, pois, que tenhamos a consciência de que o "erro" precisa ser analisado historicamente, uma vez que se refere à construção e/ou enunciação da linguagem. Ao professor de língua compete, ao avaliar, considerar estes aspectos, levando em conta que numa sociedade altamente diversificada, produzem-se também recursos expressivos distintos e que intervenções pedagógicas eficientes poderão ajudar os alunos no processo de aquisição da linguagem, superando modelos de avaliação como ajuste de contas, para transformá-la em instrumento de interação social.
Texto publicado no Jornal PROEAC
Campina Grande, 2000.
quarta-feira, 16 de abril de 2008
Avaliação: Ajustes de contas ou instrumento de interação?
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