quinta-feira, 17 de abril de 2008

O texto: entidade histórica e lugar de correlações

A produção textual deve ser considerada como resultado de uma atividade comunicativa que se faz seguindo regras e princípios discursivos sócio-historicamente estabelecidos que têm de ser observados. Somente trabalhando a linguagem de forma dinâmica e dialógica, poderemos concebê-la como um fenômeno pluridimensional, levando em consideração os elementos que integram as condições de produção de linguagem, entre outros, o código lingüístico e o contexto histórico-cultural em que vivem e atuam os interlocutores e que determina sua teoria do mundo (COSTA VAL, 1994, p. 9).
Na construção de textos, utilizamos nossa teoria de mundo e essa atividade semiótica se constitui historicamente, sendo determinada pelo contexto histórico-cultural, não apenas no que se refere aos conhecimentos partilhados pelos membros de uma comunidade, mas também, e sobretudo, pelo valor político e ideológico com que são marcados os conhecimentos e os indivíduos.
Nessa perspectiva, o texto não é apenas um somatório de frases nem um amontoado de idéias. O texto é um conjunto de partes solidárias produzido por um sujeito, historicamente localizado num dado tempo e num determinado espaço. Esse sujeito, no dizer de Platão e Fiorin (1996, p. 17), “por pertencer a um espaço expõe em seus textos as idéias, os anseios, os temores, as expectativas de seu tempo e de seu grupo social”.
Por isso, o texto pode ser concebido como lugar de correlações, levando-se em consideração as concepções existentes na época e na sociedade em que o texto foi produzido e as suas relações com outros textos.
Como afirma Geraldi (1997, p. 22), o texto é precisamente o lugar de correlações porque construído materialmente com palavras (que portam significados) organiza estas palavras em unidades maiores para construir informações cujo sentido/ orientação somente é compreensível na unidade global do texto.
Este, por seu turno, dialoga com outros textos sem os quais não existiria. Essa correlação constitui nossa herança cultural e nos leva a verificar a propriedade intrínseca do texto, ou seja, a de se constituir a partir de outros textos, o que faz com que ele seja atravessado, ocupado, habitado pelo discurso do outro, comprovando a heterogeneidade constitutiva da linguagem.
Isso nos leva a concordar com Platão e Fiorin (1997, p. 29), quando afirmam que “um texto remete a duas concepções diferentes: aquela que ele defende e aquela em oposição à qual ele se constrói”.
Segundo esses autores, no texto ressoam duas vozes, dois pontos de vista e sua historicidade é estudada por meio da análise dessa relação polêmica. Esses pontos de vista são sociais e, portanto, divergentes. Em virtude disto “o discurso é sempre a arena em que lutam esses pontos de vista em oposição” (PLATÃO e FIORIN, 1997, p. 30).
Nesse sentido, podemos dizer que “todo discurso é histórico” e o texto como produto materializado do discurso, funciona como uma entidade histórica, por meio do qual os usuários da língua confrontam saberes e conhecimentos, constroem novos contextos e situações reproduzindo e multiplicando os sentidos em circulação na sociedade. Esses sentidos, socialmente constituídos, serão os verdadeiros elos da corrente de mudanças na construção histórica de uma sociedade diferente.
Sendo assim, não podemos conceber a ausência de simetria entre a instituição escolar e a sociedade, tendo em vista as constantes transformações sociais, políticas, econômicas e culturais na configuração dos educandos.
Se a escola pretende formar produtores de textos críticos e criativos não pode, paradoxalmente, fazer uso de recursos didáticos e estratégias que levem à automatização dos alunos. É preciso que o professor de língua assuma uma atitude de orientador encorajador, interessado a ajudar ao aluno “a dar o seu recado da maneira mais eficiente possível e não como o detector de erros e principal responsável pelo sentimento de inferioridade intelectual desse aluno” (COSTA VAL, 1994, p. 15).
É preciso, ainda, que o professor perceba que se ele puser em prática procedimentos de ensino que privilegiem, apenas, a mecanização, a repetição e a monotonia, irá de encontro a toda uma pluralidade de linguagens pertencentes a variados universos simbólicos do mundo extra-escolar do aluno, que são mediadores de sua interação com o meio sócio-histórico.
Nessa perspectiva, produzir textos significa registrar a história, seja ela do tempo do aluno, da classe social a que ele pertença ou da própria experiência devida, ampliando relações entre casos particulares e a conjuntura social a que tais fatos estejam associados.
Dessa forma, o professor que propicia o uso da língua articulada por sujeitos em interação, passa a “valorizar o texto do aluno, este como instância de sua enunciação aquele como entidade histórica, à medida que sujeitos e textos realizam-se na ação, no trabalho sobre e pela escrita” (JESUS, 1997, p. 100).
O texto, portanto, é entidade histórica e lugar de correlações
“...cruzamento das vozes oriundas de práticas de linguagem diversificadas”, que, “...tecido polifonicamente por fios dialógicos de vozes que polemizam entre si, se completam ou respondem uma às outras” (BARROS, 1994, p. 4).

Referências
BARROS, D. L. P. Dialogismo, Polifonia, Intertextualidade: Em torno de Bakhtin. São Paulo: EDUSP, 1994.
COSTA VAL, M. da G. Interação lingüística como objeto de ensino-aprendizagem da língua portuguesa. In: Jornal da Alfabetizadora. Porto Alegre: Kuarup, 1994, p. 8-13.
GERALDI, J. W. Da redação à produção de textos. In: CHIAPPINI, L. (Coord.) Aprender e ensinar com textos de alunos. São Paulo: Cortez, 1997.
JESUS, C. A. de. Reescrevendo o texto: a higienização da escrita. In: CHIAPPINI, L. (Coord.) Aprender e ensinar com textos de alunos. São Paulo: Cortez, 1997.
PLATÃO, F. S. e FIORIN, J. L. Lições de texto: leitura e redação. São Paulo: Ática, 1996.

Texto publicado no Jornal Dialogando, UEPB/CEDUC
Campina Grande, 2002.

2 comentários:

Professora Graça Barros disse...

Realmente, o texto representa um evento, que em sua materialização subjaz uma construção,sobretudo, de sentidos. O sujeito, enquanto, ser histórico e sociamente constituído se vale de sua capacidade de reelaborar dizeres e de sua capacidade de empoderamento, no sentido de autoria, para produzir. O mais interessante é a capacidade também que o indivíduo tem de adaptação às circunstâncias, de forma a atender às exigência que emergem. Como o caso dos novos suportes e gêneros textuais, dos quais destacamos os virtuais. O blog, por exemplo, apresententa-se como um suporte que oferece oportunidade de o sujeito apresentar-se sob vários gêneros, dialogando consigo e com os outros.

Divanira Arcoverde disse...

Graça querida

Gostei muito do seu comentário. Isso prova que, por meio de textos, interagimos com o outro e partilhamos idéias que devem ser multiplicadas, completadas, criticadas. Daí, não ser um texto um produto acabado. Valeu... Obrigada. Isso me impulsiona a continuar escrevendo. Bjus

Diva